22 de outubro de 2008

Sambistas “aposentam a navalha” em canções trabalhistas

O compositor Wilson Batista era um assíduo freqüentador da Lapa, reduto da nata da malandragem carioca na primeira metade do século passado. Tanto que num de seus principais sucessos, Lenço no Pescoço, se cita como um típico personagem do local: De chapéu do lado / Tamanco arrastando / Lenço no Pescoço / Navalha no bolso / Eu passo gingando / Provoco e desafio / Eu tenho orgulho em ser tão vadio...

Mas, com a instituição do Estado Novo pelo presidente Getúlio Vargas, em 1937, passou a haver intensa valorização do trabalhismo. Músicas como as de Wilson eram censuradas pelo Governo ou pela própria população, que via nas letras temas que denegriam as causas nacionais.

O malandro não teve dúvidas. Compôs Bonde de São Januário, um hino de exaltação ao trabalho, e ficou bem com todo mundo: Quem trabalha é quem tem razão / Eu digo e não tenho medo de errar / O Bonde São Januário / Leva mais um operário / Sou eu que vou trabalhar.

Ouça a música:



Não foi o único a lançar mão do artifício. O sambista Geraldo Pereira, outro notório malandro, compôs a bela Pedro do Pedregulho, na qual canta sobre um sujeito barra-pesada, que quebrava barracos, brigava com a polícia e só vivia do jogo. Para alívio dos trabalhistas, Pedro se regenera no fim: E ele trocou o revólver que usava, fingindo embrulho / Por uma marmita, e sobe o Pedregulho / De noite, cansado do seu batedor.

Ouça a música, cantada pelo próprio Geraldo:


3 comentários:

Anônimo disse...

Bonde São Januário era cantado nas ruas, e ficou assim, dessa forma, muito popular no carnaval, inclusive pelo próprio Batista, com a letra:

"Quem trabalha não tem razão.
Eu digo e não tenho medo de errar.
O bonde São Januário
Leva mais um sócio-otário
Hoje eu não vou trabalhar."

Isso é interessante. Esse samba que você citou, o "lenço no pescoço"... o rebote de Noel, meio que atestava isso, não é? Uma vez que ele era um homem de respeito no rádio e nessa época, havia esse movimento de "desmalandramento" do samba, encabeçado pelo Almirante. Sendo o rádio, instrumento do governo na época, esse movimento era parte da campanha nacionalista do Vargas. Porém, fora isso, alguns sambistas, como o Paulo da Portela, por exemplo, pregavam a mesma coisa, mas com o discurso de melhora da imagem do sambista, perante a elite brasileira. Como uma forma do samba ser melhor aceito, desmarginalizado. Ou seja, pegou o gancho da imposição do governo para propor questões que atingiam diretamente os sambistas.
Eu falo isso, porque o próprio Paulo fez um samba em homenagem ao Prestes, com o título de "Prestes, Cavaleiro da Esperança". Isso me leva a acreditar que existia uma leva de sambistas que concientemente fazia o jogo do estado, porém colocando em xeque as suas reais razões.

Anônimo disse...

Oi, vi o seu comentário lá no blogue "das bagunças insones" e resolvi dar um clique, para conhecê-lo. Gostei bastante.Textos bem redigidos e interessantíssimos.
Voltarei.

Sra. D, disse...

"Deixa de arrastar o teu tamanco, pois tamanco nunca foi sandália..."

Opa...sala de bate papos, já me sinto em casa!

Tudo pela legalidade! Dá-lhe Getúlio?

Uma pergunta: Quando vamos estar dando uma atualizada?

besos