30 de abril de 2008

Fácil, extremamente fácil

Há décadas que muitos músicos compõem priorizando mais as vendas do que qualquer tipo de anseio artístico. Basta lembrar os termos “música de carnaval” e “música de meio de ano”, comuns entre os anos 1930 e 1970. As de carnaval eram lançadas entre dezembro e janeiro, para o povo se acostumar e serem executadas à exaustão nos bailes carnavalescos. Se perdurasse, melhor, mas tinha apenas a finalidade de agradar e, conseqüentemente, gerar lucro. Normal. Afinal, músico é um profissional, mas ganhar dinheiro, na maioria dos casos, vinha junto com qualidade e proposta artística. Mais recentemente, outro fenômeno, e este um pouco pior: os artistas, infelizmente, pararam de ter vergonha de usar o horroroso termo “música de trabalho”. E assim iam, aos programas dominicais “mostrar a maravilhosa música de trabalho que, logo, logo o Brasil todo vai cantar. Me dá um dó, maestro”. E uma notícia que li hoje, sobre o lançamento do novo CD do sertanejo Daniel, mostra que se chegou ao fundo do poço. Na reportagem, o nosso querido sertanejo diz que “As músicas neste disco se resolvem e evoluem com facilidade. Hoje em dia, as mensagens têm que ser claras. As pessoas querem saber logo do que trata uma música, então, mostramos logo qual é a mensagem”, e completa: “Vamos direto ao coração de quem está escutando”.

É o fundo do poço, sem dúvida. Como assim “as músicas se resolvem e evoluem com facilidade”? O que se resolve e evolue com facilidade é metrô, e não nenhuma obra artística. Mas a pior frase é sobre que, atualmente, as mensagens músicais têm que ser claras e que as pessoas querem saber logo do que se trata. Se alguém encontrá-lo, manda ele falar por si. Quero saber logo do que se trata em conta de matemática, em extrato de banco, em saber onde passa tal ônibus. Arte é pra provocar inquietude e desconforto. Pode provocar alegria também, claro. Mas não esse tipo de alegria extremamente fácil (que um sorvete de chocolate substituiu com o mesmo resultado). E o mais preocupante de tudo é ele não sentir vergonha de falar isto. Mostra que se chegou num ponto em que esse tipo de declaração não provoca pouco – ou nenhum – tipo de reação.

Antônio Abujamra certa vez sugeriu que artistas deveriam esquecer de querer agradar, que a arte é uma expressão individual. E só quem quisesse fosse ver, porque “esta é minha arte e ponto final”. Este tipo de radicalização não é o ideal. Bom é saber mesclar a expressão individual e a aceitação popular. Mas a aceitação desse pragmatismo artístico, traduzido sem vergonha (e sem-vergonha) por Daniel, é um alento. Porque, se chegamos neste ponto, a tendência é só melhorar. Ou fechar a lojinha.

24 de abril de 2008

Futebóis europeu e brasileiro

Esqueçamos o “futebóis” - palavra certa, mas esquisita – e vamos nos atentar sobre as diferenças entre dois dos principais palcos do futebol mundial: brasileiro e europeu. Após cada rodada, é comum entre os jornalistas esportivos a seguinte sentença: “Na Europa seria diferente”, normalmente para desdenhar do estilo brasileiro de jogar e apitar futebol. Ao mesmo tempo, quando um jogador brasileiro se destaca pela ginga, rapidamente a mídia sentencia: “Esse é o futebol brasileiro, não aquele jogo europeu completamente amarrado e na base do chuveirinho”.

Há, sim, diferenças claras entre as duas praças esportivas. Algumas favoráveis a nós, outras a eles. Vamos a elas:

Brasil ganha da Europa

Numeração: A Europa tem a exdrúxula mania de colocar números altos em seus jogadores. Camisas 99, 74, 54 não são incomuns. O Edmundo usava a 98 em sua época de Napoli, por exemplo. Torcedores desavisados podem se sentir numa partida de basquete. Para ficar claro: a zaga e os volantes usam camisa até oito. Os armadores usam a sete e a dez, e os atacantes a nove e a 11, como comumente ocorre no Brasil. Simples assim.

Torcida: Talvez contradizendo minha postagem abaixo, futebol não é teatro. Enquanto os europeus (principalmente os espanhóis) se acostumaram a assistir de maneira confortável às partidas em cadeiras numeradas e sentados praticamente durante toda a peleja, a torcida corinthiana entoa a singela canção contra os poucos que querem imitar os hispanos: “Levanta, cuzão, é jogo do Timão”. Conforto em estádio é ter lugar pra estacionar, banheiro minimamente em condições e algo pra comer. Frente a frente aos 22 jogadores, é momento de ficar em pé.

Preço dos ingressos: A Inglaterra é um dos mais importantes exemplos de como se frear a violência nos estádios. Mas, para evitar os hooligans, tomou uma atitude infeliz: inflacionar o preço dos ingressos, que se tornaram caros mesmo pra quem ganha em libra. No Brasil a entrada não é uma mixaria, mas essa mania – ainda – não se instalou por aqui. Os preços continuam acessíveis.
Europa ganha do Brasil

Nova cobrança de pênalti: Você está lá, assistindo seu time conquistar um empate heróico contra outra equipe muito mais forte. Mas, aos 44 do segundo tempo, o lateral-direito derruba o adversário num carrinho sem necessidade dentro da área. Pênalti! Você pensa: “Ih, fudeu”. Porém, na hora da cobrança, seu goleiro consegue se esticar todo e tirar a bola com a ponta dos dedos. Enquanto você comemora, o bandeira levanta o instrumento: a cobrança foi anulada. Segundo julgamento do auxiliar, seu goleiro saiu de cima da linha antes da cobrança. Na Europa, é rara a situação acima ocorrer. O bom-senso prevalece sobre a regra.

Discussão em campo: Em partidas decisivas, é normal – e até mesmo saudável – os jogadores estarem tensos. Aí, por qualquer motivo, ocorre uma discussão em campo. Os jogadores se encaram e ocorre um rápido empurra-empurra. Em vez de deixar o jogo seguir, lá vai o imbecil vestido de preto (ou em outras cores, o que o torna mais imbecil ainda) distribuir cartão amarelo. E sempre é um pra cada lado – mesmo se um deles apenas se defendeu. Em campos europeus essas discussões são encaradas com naturalidade.

Cartões não são dados à toa: Os árbitros brasileiros estão cada dia mais chatos. Foi comemorar com a torcida: cartão amarelo. Discutiu com o adversário: cartão amarelo. Deu uma puxadinha na camisa do outro jogador: cartão amarelo. E, pior: se já tiverem sido amarelados, não titubeiam em mostrar o cartão vermelho ao jogador. Ainda não entenderam que dar cartão é exceção, não regra. Querem que os gramados estejam repletos de santos. E quando o futebol chegar neste nível, procuremos outro esporte pra ser a coisa mais importante entre as menos importantes.