28 de fevereiro de 2008

Lições de mau jornalismo

Com a manchete de capa “Já vai tarde” sobre uma foto de perfil contraluz de Fidel Castro, a revista Veja prestou mais um desserviço ao jornalismo brasileiro ao tratar com fúria reacionária o dirigente cubano que deixava o poder após quase meio século e abandonar qualquer tentativa de compreensão do significado do gesto para o futuro da ilha.

Enquanto a mídia do mundo todo buscava decifrar o que será de Cuba pós-Fidel, Veja saía com um artigo editorializado, destinado a destruir a imagem do líder e seu significado na história, com juízos definitivos e texto folhetinesco, que se encaixariam bem no boletim dos cubanos exilados em Miami, mas não na maior revista em circulação no país.

É bem verdade que Veja já abriu mão de um jornalismo sério há algum tempo, mas uma edição como essa não deixa de ser reveladora. Não faz muito tempo, a semanal também se dedicou a tentar destruir o mito Che Guevara, destacando, entre outros aspectos menos nobres, que cheirava mal.

Nas duas edições, Veja nem tentou disfarçar suas matérias com alguma suposta imparcialidade jornalística. Os textos raivosos eram endossados por fontes declaradamente interessadas em condenar os líderes da revolução cubana. Na edição em que tentou desmitificar Che Guevara, Veja ouviu um agente da CIA enviado à Bolívia para caçar o guerrilheiro. Na matéria sobre Fidel, havia apenas um boxe com um dissidente que vive em Miami.

Por sinal, o dissidente Héctor Palacios Ruiz era a voz mais lúcida da edição ao reconhecer em Fidel a habilidade, a inteligência e classificá-lo de um ícone da história. Um contraste com o texto da revista que o chama de farsante, fingidor e sanguinário.

Em seu blog, o jornalista Luis Nassif tem se dedicado a descrever práticas do “jornalismo” da Veja, muito mais graves do que as tentativas de desconstrução de mitos e bem distantes, para dizer o mínimo, das normas de um jornalismo sério e de qualidade.

A prepotência de Veja me fez recordar um episódio no fim dos anos 80, quando cobria um Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1, ainda no autódromo de Jacarepaguá. O repórter da revista estava escalado para fazer uma entrevista com Alain Prost, tarefa ingrata, já que as corridas não são o melhor momento para uma entrevista de fôlego com qualquer piloto, ainda mais com uma das maiores estrelas do automobilismo à época.

Depois de esgotar todas as tentativas, o repórter apareceu desesperado no autódromo, comentando a última recomendação de seu editor para que ele conseguisse a difícil entrevista: “fala pra ele que é da Veja”, contou, indignado, para gargalhada geral dos coleguinhas.

Mas na postura da Veja há que se destacar um “mérito”. A revista revela-se, para quem ainda tinha dúvidas, um veículo de direita, sem limites para desenvolver suas pautas e descompromissada com os mais elementares princípios do jornalismo. Enfim, uma publicação para não ser levada a sério.

Por Mair Pena Neto, jornalista.

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